ESTUDO DE CASO

 

Discussão de caso

 
     
  Médico, 44 anos, hígido, sofreu queda esquiando há 1 dia. Dor e crepitação à palpação da fíbula com dor e hematoma submaleolar medial.  
     
   
     
 

No caso apresentado acima, documentado com radiografia simples, você vê necessidade de solicitar mais algum exame para indicar o melhor tratamento? Por quê?
André Demore: Sim. Preciso ter certeza da instabilidade medial.
Antônio Alício: Sempre que avaliamos as fraturas de tornozelo e que restam dúvidas do envolvimento do Ligamento Deltoide (LD) ou da sindesmose, procedemos à avaliação do lado contralateral e, quando possível (geralmente as fraturas instáveis não permitem), fazemos a radiografias com carga, além das incidências com estresse (rotacional e gravitacional). Nos casos de fratura do maléolo posterior realizamos a tomografia computadorizada como forma de classificar e guiar o tratamento da mesma.
Isnar Castro: Sim, apesar da indicação cirúrgica clara, gosto de ter ressonância nuclear magnética (quando possível), pois acho importante avaliar se houve lesão cartilaginosa no tornozelo e/ou na subtalar.
Marcos Hideyo Sakaki: Não vejo necessidade de mais exames. As radiografias, incluindo a de estresse gravitacional, confirmam o diagnóstico de fratura do maléolo lateral do tipo B e lesão completa do ligamento deltoide. Não há evidências de fraturas posteriores. A dúvida que persiste é em relação à integridade dos ligamentos da sindesmose, que poderia ser avaliada por uma ressonância magnética, porém não é necessária uma vez que uma avaliação intraoperatória cumpre perfeitamente este papel.

Baseado nas imagens acima e na descrição de história e exame clínico, a sua opção é por tratamento conservador ou cirúrgico?
André: Cirúrgico, pois tem instabilidade de dois pilares.
Antônio: Considerando que esta é uma fratura instável do tornozelo (envolvimento de ligamento deltoide e sindesmose), optaria pelo tratamento cirúrgico.
Isnar: Cirúrgico, pois a fratura é instável. Apresenta lesão ligamentar medial e a própria fratura lateral. Diga-se de passagem que se existe hematoma medial é certa a lesão medial.
Marcos: Cirúrgico, pelo fato de ser uma lesão instável e não pelo desvio identificado na fratura inicial sem estresse. É possível tratar esta lesão de forma conservadora, pois a superfície articular não apresenta desvio significativo e há congruência do tálus sob a superfície distal da tíbia. No entanto, o risco de subluxação lateral do tálus ao longo do tratamento conservador é grande pois o ligamento deltoide está lesado, de forma que minha preferência é pela cirurgia imediata.

Nos casos de tratamento conservador, qual seria o protocolo de imobilização e descarga?
André: Em casos em que trato conservadoramente, deixo seis semanas sem carga. Se for cirúrgico, duas semanas de imobilização, seis semanas sem carga.
Antônio: Nos casos de fratura estáveis, procedo a seis semanas com uso de bota imobilizadora com instauração de carga na terceira semana e estabilizador de tornozelo até a décima semana.
Isnar: carga imediata, com bota robocop e muletas.
Marcos: Imobilização com aparelho gessado circular com o pé em discreta flexão plantar e moldado seguindo a técnica de três pontos, mantendo o retropé em varo e mantido sem carga por três semanas.  Na quarta semana o pé é colocado em posição funcional e um novo aparelho gessado é confeccionado. Radiografias para controle da fratura são feitas ao final da terceira semana, e caso haja perda do alinhamento a cirurgia é indicada. Se ao final da sexta semana, se não houver sinais de consolidação, a imobilização é prolongada por mais duas a três semanas.

Como você decide estabilizar a sindesmose e qual o seu método de escolha?
André: Estabilizo sempre em fraturas instáveis. parafuso 3,5 mm tricortical, sem compressão da sindesmose.
Antônio: A decisão de fixação da sindesmose é feita com base nos achados radiográficos da incidência em AP do tornozelo, onde avaliamos os critérios descritos por Harper e Keller que são, aumento do espaço claro medial maior que 5mm, aumento do espaço claro tibiofibular maior que 5mm e sobreposição tibiofibular menor que 40% na incidência em AP ou menor que 10mm. O teste intraoperatório de Kocher ou Hook test podem ser realizados. O parafuso ainda é o padrão-ouro, facilmente acessível e de aplicação técnica amplamente difundida. É de longe o dispositivo mais utilizado, porém sempre que posso, utilizo o dispositivo TightRope para sindesmose. Além de proporcionar uma cicatrização mais fisiológica ao tecido da sindesmose, não existe a obrigatoriedade da remoção nem risco de quebrar ou de alargamento da pinça após remoção como é possível no caso dos parafusos. O custo do dispositivo ainda é o seu maior fator limitante.
Isnar: Fixo de rotina, pois a definição de instabilidade da sindesmose nos casos crônicos é algo sutil, logo por similaridade creio que seja sutil nos casos agudos também. Não acredito que o teste de Cotton tenha sensibilidade para detectar esta mesma instabilidade quando negativo. Como método, uso um parafuso suprasindesmoidal e, quando disponível TightRope (Arthrex).
Marcos: Estabilizo somente quando está lesada e instável. Este diagnóstico é feito por meio de manobras após a fixação da fratura do maléolo lateral. Utilizo manobras de estresse tanto no sentido mediolateral como anteroposterior com visualização direta da sindesmose, além de rotação externa do pé sob visão radioscópica. Nesta última avaliação, a identificação de aumento do espaço claro medial fecha o diagnóstico de instabilidade da sindesmose. Para a fixação da sindesmose prefiro, na maioria dos casos, utilizar um parafuso cortical de 3,5mm atravessando três corticais, meio centímetro acima da sindesmose.

Quando você aborda o ligamento deltoide? E como você faz o reparo nos casos em que você o aborda?
André: Não. Sutura simples do brocotoma.
Antônio: Apesar de algumas publicações considerarem que após a fixação da fíbula e sindesmose com restauração da anatomia e do espaço claro medial a reinserção do ligamento seja opcional, o mesmo trabalho reconhece que alguns pacientes permaneceram com instabilidade ou dor medial no tornozelo. Considerando ainda recentes trabalhos que demonstram que a lesão do deltoide pode desestabilizar a lesão parcial da sindesmose e que o folheto profundo é um importante restritor da rotação externa do tálus, minha opção nos casos de lesão do ligamento deltoide é a reinserção do folheto profundo com dispositivos de fixação (âncoras de 4.5mm) e do superficial (restritor da eversão) com sutura direta ou reinserção com âncoras.
Isnar: Sempre abordo o ligamento deltoide, realizo ponto simples, com cuidado para não deixar as fibras interpostas na articulação, pois isso pode gerar impacto medial e dor medial.
Marcos: Abordo sempre que a radiografia inicial mostra um tálus subluxado ou luxado, não sendo o caso deste paciente. Acredito que nestes casos o trauma rotacional mais intenso tem maior chance de causar lesões condrais e osteocondrais do tálus medial, e uma artrotomia medial traz o benefício do diagnóstico, ressecção de corpos livres e microfraturas no caso de lesões osteocondrais. Faço somente a sutura da porção superficial do ligamento deltoide, com perfuração óssea se necessário. O ganho de estabilidade com a sutura não é o ponto mais importante deste processo. A estabilidade no plano coronal é dada pela fixação do maléolo lateral associada a uma sindesmose estável e muito menos pela sutura do deltoide.

Qual o protocolo pós-operatório? Quanto tempo imobilizado e como?
André: Duas semanas com robofoot.
Antônio: Nos pacientes operados com reconstrução óssea e ligamentar, mantenho uma bota imobilizadora por quatro semanas, iniciando a fisioterapia para restaurar progressivamente a flexoextensão.
Isnar: Mantenho imobilizado com calha em “u” por duas semanas quando retiro os pontos, passo depois para bota “robocop” por mais quatro semanas.
Marcos: Tala gessada no pós-operatório imediato. Bota rígida tipo walker após a primeira troca de curativo ao final de uma semana e marcha com carga dentro da tolerância do paciente, mas sem restrição à carga total. A bota é utilizada até a consolidação da fratura, geralmente por volta de seis semanas. Durante toda a fase do tratamento o paciente é estimulado a retirar a bota para exercícios de ganho de mobilidade. Os exercícios de força muscular e propriocepção são iniciados sob supervisão de fisioterapeuta ao final da terceira semana.

Quando inicia o apoio?
André: Seis semanas
Antônio: Carga parcial da quarta semana até a sexta semana. Nos casos de IMC elevado, retardo a carga até a sexta semana.
Isnar: Eu libero a carga com seis semanas de pós-operatório, podendo liberar carga parcial com quatro semanas, a depender da qualidade da fixação e da capacidade do paciente de andar com muletas ou andador. Para este paciente provavelmente liberaria carga parcial com muletas e bota “robocop” na quarta semana de pós-operatório.
Marcos: Ao final de uma semana, com uma bota rígida tipo walker dentro da tolerância do paciente, mas sem restrição à carga total.

Quando e como você faz profilaxia para trombose venosa profunda?
André: Não faço de rotina, exceto se tiver fator de risco - TVP prévia, doença vascular, etc.
Antônio: Não faço habitualmente profilaxia de TVP. Pacientes obesos, maiores de 40 anos, com histórico de fenômenos tromboembólicos prévios, neoplasias, varizes de MMII e diabéticos faço 40mg/dia de heparina de baixo peso durante a internação e após a alta, rivaroxabana 10mg (off label) por 30 dias.
Isnar: Quanto à profilaxia de trombose venosa profunda utilizo aspirina 300 mg dia por 21 dias (risco moderado ou baixo). Se o  paciente for de alto risco, utilizo Clexane  40 mg por dia por 21 dias.
Marcos: Somente faço profilaxia medicamentosa em pacientes com risco claro para trombose, com enoxaparina 40mg por via subcutânea uma vez ao dia por duas semanas.

Quais seus implantes de preferência para este caso?
André: Placa lateral
Antônio: Segundo a maioria das publicações, a placa 1/3 tubular promove estabilidade biomecânica suficiente para a consolidação, principalmente em pacientes jovens com bom estoque ósseo.
Isnar: Normalmente uso placa de pequenos fragmentos, simples.
Marcos: Parafusos 3.5 de pequenos fragmentos e placa 1/3 de tubo.

Você vê necessidade ou alguma vantagem no uso de placa bloqueada?
André: Vejo a necessidade e vantagem de placa bloqueada em idoso devido à osteoporose.
Antônio: Normalmente, na minha prática diária, prefiro as placas anatômicas bloqueadas para este tipo de caso, pois tem uma vantagem biomecânica quando comparadas com as fixações com as placas 1/3 tubular, além de permitir a colocação de múltiplos parafusos bloqueados de 2.7mm. Porém a redução anatômica ainda é um dos principais fatores de sucesso na fixação da fratura do tornozelo.
Isnar: Sim, a placa bloqueada tem vantagem, nos casos de fratura em osso osteoporótico. Como regra, uso em pacientes acima de 50 anos de idade.
Marcos: Neste caso não. O custo adicional de uma placa bloqueada se justifica nos casos de osso osteoporótico ou em fraturas da fíbula com cominuição metafisária.

Considerações finais:
André: Mesmo que eu não aborde o deltoide, o diagnóstico da lesão do mesmo afere a instabilidade. Radiografias sem estresse podem nos fazer tratar conservadoramente uma fratura instável.
Antônio: Vivemos um período em que as verdades são sempre temporárias e a velocidade de formação do novo conhecimento é avassaladora. Estar atento às novas tendências da ciência sem o imediatismo inconsequente nem a resistência aos desafios, é obrigação do cirurgião do pé. Nas fraturas do tornozelo, os cuidados com as incidências radiográfica, radiografias em AP, Mortise view, perfil e obliqua, radiografias especiais em stress com rotação externa, stress gravitacional, radiografias comparativas com carga, além da criteriosa indicação de tomografia e Ressonância Magnética podem fazer toda a diferença na indicação cirúrgica. Estabelecido os conceitos de fratura estável ou instável, deve-se proceder ao tratamento de acordo com as tendências mais atuais e, apesar de não haver um protocolo firmado para reabilitação, sabemos que o movimento e a carga precoce não estão relacionados, na grande maioria das publicações, com perda de redução ou piora do resultado, até mesmo quando fixado o maléolo posterior. O uso de profilaxia de TVP sem um protocolo estabelecido é um risco, pois não se trata de uma medicação inócua e suas complicações terão sempre que ser respondidas pelo médico que prescreveu sem estar amparado em nenhum protocolo nem bula da medicação, que restringe o uso à profilaxia de TVP em prótese de joelho e do quadril.

Isnar: Ficar atento às lesões associadas, como as já citadas, as lesões do ligamento mola, do ligamento interósseo, da subtalar, etc.

Marcos: Este tipo de fratura da fíbula pode perfeitamente ser fixada com implantes convencionais de 3,5mm, seguindo os princípios da estabilidade absoluta. Atualmente é cada vez mais comum o uso de placas bloqueadas e anatômicas para essa região, com múltiplos orifícios para parafusos de 2,7mm na extremidade distal, mas é de vital importância que elas sejam utilizadas seguindo os princípios da fixação das fraturas articulares simples, ou seja, compressão interfragmentária do traço articular e a placa como elemento de neutralização.